Ex-prefeito de Lábrea é responsabilizado por trabalho escravo infantil

Dois meninos de 11 anos estão entre os 21 resgatados trabalhando para ex-prefeito Gean Campos de Barros e seu genro, Oscar da Costa Gadelha

Por Daniel Santini

O ex-prefeito de Lábrea, Gean Campos de Barros (PMDB) e seu genro, Oscar da Costa Gadelha, foram responsabilizados pela exploração de 21 pessoas em condições análogas a de escravos na produção de castanha-do-pará em Lábrea, no Amazonas. Entre os resgatados estavam dois adolescentes e quatro crianças, incluindo dois meninos de 11 anos que, assim como os demais, carregavam sacos cheios de castanhas em trilhas na mata e manuseavam facões longos, conhecidos como terçados, para abertura dos ouriços, os frutos da castanha. A reportagem tentou entrar em contato com os empresários para ouvi-los sobre o flagrante, mas não conseguiu localizá-los.

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Menino de 11 anos com a camisa do Flamengo carregava saco de 25 kg de castanhas descalço na mata quando foi encontrado pela fiscalização. Adultos chegam a transportar cargas de mais de 50 kg. Fotos: Divulgação/MTE

A libertação aconteceu em operação conjunta do Ministério do Trabalho e Emprego, Ministério Público do Trabalho e Polícia Federal, realizada entre 16 a 28 de março em castanhal localizado dentro da Reserva Extrativista do Médio Purus, acessível a partir da comunidade ribeirinha de Lusitânia, nas margens do rio Purus. “O que mais nos chamou a atenção foi a questão das crianças. Vimos meninos carregando sacos de 25 kg dentro da floresta, andando até quatro quilômetros descalças”, conta o auditor André Roston, coordenador do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do MTE. “Para ajudar, um policial pegou o saco e começou a carregar, mas ele não aguentou chegar até o final. É um trabalho muito pesado e as crianças estavam submetidas ao sistema de exploração estabelecido.”

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Garoto de 11 anos manuseia facão no barco e na abertura de ouriço de castanha-do-pará

Os facões, mais longos que o antebraço de alguns dos meninos, como é possível visualizar na foto ao lado, eram utilizados para abrir os duros frutos da castanheira e extrair as sementes. Nenhum dos trabalhadores utilizava proteção e, segundo a fiscalização, um dos garotos de 11 anos estava com o dedo indicador cortado, ferimento decorrente de acidente enquanto exercia a atividade. Tanto o “transporte, carga ou descarga manual de pesos” acima de 20 kg para atividades raras ou acima de 11 kg para atividades frequentes, quanto a “utilização de instrumentos ou ferramentas perfurocortantes, sem proteção adequada capaz de controlar o risco” estão entre as piores formas de trabalho infantil, conforme estipulado pela lei número 6.481/2008, com base na Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

À equipe de fiscalização, em depoimento, Oscar Gadelha confirmou o uso de trabalho infantil e defendeu que o emprego de crianças e adolescentes na atividade é “uma certa forma é até uma maneira de educar”.

Reserva extrativista e o sistema de barracão
A exploração de trabalho escravo infantil aconteceu em uma unidade de conservação federal, a Reserva Extrativista do Médio Purus. A área de preservação foi criada como resultado de intensa mobilização social, processo detalhado na obra “Memorial da Luta pela Reserva Extrativista do Médio Purus em Lábrea, AM: Registro da mobilização social, organização comunitária e conquista da cidadania na Amazônia””, e garante às comunidades ribeirinhas o direito de desenvolver atividades extrativistas na região.

Local em que o resgate aconteceu. Clique na imagem para navegar pelo mapa

Local em que o resgate aconteceu. Clique na imagem para navegar pelo mapa

Os castanhais, em questão, porém, eram tratados como propriedade privada, e o grupo econômico formado por Oscar Gadelha e o ex-prefeito Gean Barros determinava exclusividade na extração. Além de ser encaminhado ao MPT e à PF, que acompanharam a ação, o relatório da fiscalização foi enviado também ao Ministério Público Federal (MPF) e ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Não é a primeira vez que Gean Barros se posiciona contra as áreas de proteção. Durante sua gestão, o político chegou a tentar impedir fiscalizações de crimes ambientais ocorridos nas reservas extrativistas, e foi processado pelo MPF por ter, em 9 e 10 de março de 2010, incitado “uma manifestação popular na praça central do município, com o objetivo de impedir a fiscalização do ICMBio e expulsar os fiscais do município”.

O controle da exploração comercial na reserva federal era feito por Oscar Gadelha, e o sistema era financiado e estruturado pelo ex-prefeito, o que configurou a formação de grupo econômico familiar, segundo a fiscalização. O coordenador da ação explica que a escravidão foi caracterizada por diferentes fatores, incluindo o uso do sistema de barracão, mecanismo clássico de exploração de trabalhadores, ribeirinhos e comunidades indígenas, ainda comum em frentes de trabalho e áreas isoladas na Amazônia. No controle das redes de abastecimento, os regatões (comerciantes de grandes barcos) e senhores de barranco como são conhecidos os que monopolizam o comércio, vendem itens básicos com sobrepreço e compram a preços irrisórios, criando relações de dependência, se beneficiando de dívidas e impondo restrições de locomoção.

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Sacos de castanha coletados na floresta pelos trabalhadores resgatados

No caso específico, Gadelha fornecia desde itens básicos como açúcar, café, óleo vegetal, sabão, arroz, carne em conserva, leite em pó, bolacha, até itens essenciais para o trabalho, como gasolina e diesel para o transporte por barcos, além de botas, terçados e lanternas. Na mata, ele cobrava cerca de 20% a mais do que o preço que os mesmos itens eram comercializados em Lábrea.Os trabalhadores só recebiam após o fim da safra, e dependiam do barracão para sobreviver.

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Trabalhadores recebiam R$ 1,5 por quilo de castanhas coletadas

Os bens adquiridos em um armazém eram descontados aos ganhos com produção, e, sem controle ou opção, alguns recebiam R$ 100 ou R$ 200 por todo trabalho realizado durante a safra. Há também depoimentos de trabalhadores que terminaram o período endividados e tiveram de trabalhar na safra seguinte para pagar o barracão. O emprego das crianças pelos pais está relacionado à preocupação das famílias em tentar aumentar os ganhos. “Estamos falando de um sistema de barracão com um barracão físico. Um paiol para armazenas as castanhas, além do armazém e da casa grande. É um sistema clássico”, explica o auditor André Roston.

Nesse contexto, mesmo os programas sociais têm limitações de alcance. Na área urbana de Lábrea, há denúncias de que comércios locais retêm cartões de benefícios como Bolsa Família e Bolsa Floresta, com as respectivas senhas a título de garantia de dívidas de ribeirinhos e índios.

Condições degradantes
Além dos 21 trabalhadores resgatados, a fiscalização também constatou que outros 16, incluindo mais crianças e adolescentes, foram submetidos anteriormente às mesmas condições. Eles não foram libertados porque não estavam trabalhando no período do resgate, mas também receberam seus direitos trabalhistas. Ao todo, o valor líquido das rescisões pagas ao grupo é de R$ 58.978,42.

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Um dos grupos usava como alojamento abrigo improvisado erguido sobre o rio, sem paredes ou proteção contra o vento. Trabalhadores dormiam em redes

Os trabalhadores viviam e trabalhavam em condições de degradação humana. Entre os resgatados durante a fiscalização, parte vivia em um abrigo improvisado, parte em um barco apertado e os demais em casas nas comunidades ribeirinhas vizinhas. Sem estrutura mínima, os alojamentos inadequados não garantiam nem privacidade nem proteção contra chuvas ou temporais. Nas frentes de trabalho, algumas distantes a mais de uma hora e meia de caminhada, não havia estrutura ou abrigo na mata, nem abastecimento de água potável, banheiros ou itens básicos de higiene, como papel higiênico. Os rios eram utilizados tanto como fonte de água quanto como espaço para lavar a louça e tomar banho. Sem banheiros ou fossas, as necessidades eram feitas na mata ou nas águas. Na fiscalização, a equipe encontrou a comida de todo o grupo, peixe com farinha, armazenada em um balde que já havia servido para transportar tinta. Sem pratos ou talheres, as pessoas comiam direto do balde com as mãos.

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Balde com peixe e farinha onde era armazenada a comida de toda uma frente de trabalho. Sem talheres ou pratos, coletadores comiam com as mãos direto do recipiente

Além da degradação humana, também foram constatados riscos de segurança onde os adultos, adolescentes e crianças ficavam. Entre eles, a ameaça de o ouriço, o pesado e duro fruto da castanheira, se desprender da árvore e atingir pessoas. Nem capacetes, nem malhas metálicas para o manuseio de facas ou qualquer outro tipo de equipamento de proteção eram fornecidos pelos empregadores.

Além de André Roston, que coordenou a ação junto com a também auditora fiscal Márcia Ferreira Murakami, da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de Rondônia, também participaram os auditores João Ricardo Dias Teixeira, Júlio César Cardoso da Silveira, Marco Aurélio Peres; o procurador Rogério Rodrigues de Freitas da Procuradoria Regional do Trabalho de Bauru; e os policiais federais Camila Pinheiro Simmer e Fabiano Ignacio de Oliveira, da 11ª Delegacia; Júlio de Melo Arnaut, da 2ª Delegacia; Ruan Cleber Torres Cruz, 4ª Delegacia; Wandercleysson de A. Souzada da 1ª Delegacia; e Willian Pascoal Pereira da 14ª Delegacia.

* Matéria produzida com apoio da Fundação Rosa Luxemburg

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Muitas pedras no caminho

Resgate de garoto de 15 anos em condições de escravidão contemporânea numa pedreira no Rio Grande do Sul evidencia outras consequências do trabalho infantil, além da social: os riscos e danos à saúde de crianças e adolescentes

Por Guilherme Zocchio, da Repórter Brasil
da série especial Promenino*

Para João Júlio**, havia mais do que uma pedra no meio do caminho. Eram centenas, no mínimo. Aos 15 anos de idade, o garoto não ia à escola para, assim como o pai, quebrar pedaços de basalto com uma marreta. Juntamente a um grupo de dez homens, ele foi resgatado do regime de trabalho análogo ao de escravo por uma fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), ocorrida no último dia 30 de julho, em uma pedreira situada na zona rural do município de Antônio Prado, a cerca de 180 km ao norte de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul (RS). João Júlio era o único com menos de 18 anos.

O garoto João Pedro, em frente à área que trabalhou em condições análogas às de escravo (Fotos: MTE / Divulgação)

O garoto João Júlio, em frente à área em que trabalhou em condições análogas às de escravo (Fotos: MTE / Divulgação)

Segundo os fiscais do MTE, as rochas retiradas do local, de propriedade da empresa Mineração Zulian, seriam utilizadas como paralelepípedos para a pavimentação de ruas e calçadas. O menino era responsável por extrair pedaços do mineral, um tipo atividade que, pelo ambiente insalubre e esforço excessivo, poderia lhe causar graves problemas de saúde.

“Quando a gente fala em saúde, costuma assustar muito mais do que quando falamos somente das consequências sociais do trabalho infantil. Por isso é sempre importante deixarmos claro quais são os riscos”, salienta a coordenadora do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) em Caxias do Sul (RS), a enfermeira Ana Maria Mezzomo. Para ela, jovens com menos de 18 anos que ingressam no mundo do trabalho estão em situação muito mais vulnerável do que os adultos. Conforme explica a agente do Cerest, João Júlio estaria principalmente sujeito a desenvolver problemas em seu sistema ósseo, porque se encontra em fase de crescimento.

“Os esforços requeridos por um adolescente não podem ultrapassar a marca de 2,7 kg. No caso do trabalho em uma pedreira, além de ser perigoso e cansativo, com certeza há o risco de desenvolver doenças osteomusculares”, explica a especialista de saúde. De acordo com a enfermeira, a intensidade do serviço desempenhado pelo menino poderia lhe causar deformações na extremidade superior do osso do fêmur, localizado no interior da coxa, ao ponto de até provocar um defeito ortopédico que na medicina é conhecido como “coxa vara”.

A iminência de acidentes no ambiente de trabalho no caso de crianças e adolescentes é maior, conforme explica a coordenadora do Cerest. As atividades na pedreira, além disso, poderiam oferecer riscos aos sistemas respiratório e cardíaco do garoto. “O coração do menino poderia não aguentar o esforço, já que ainda está em fase de desenvolvimento”, afirma. A ausência de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), situação a que todas as vítimas resgatadas na pedreira estavam submetidas, seria um agravante para problemas de respiração, devido à poeira provocada e aos resíduos tóxicos depreendidos da extração mineral.

Área na comunidade de Caravaggio por onde se estende a pedreira em Antônio Prado, no Rio Grande do Sul

Área na comunidade de Caravaggio por onde se estende a pedreira em Antônio Prado, no Rio Grande do Sul

Danos ao sistema psíquico do menino também seriam possíveis, por causa de traumas, estresse ou outras situações pelas quais o garoto poderia passar enquanto estivesse precocemente em um ambiente da vida adulta. “A exposição excessiva, e em horário inapropriado, ao sol também pode causar problemas de pele a crianças e adolescentes expostos a atividades em ambientes abertos”, acrescenta Ana Maria Mezzomo.

O serviço de extração de pedras está incluído na lista de piores formas de trabalho infantil (Lista TIP), reconhecida em 2008 pelo Governo Federal. Entre alguns dos problemas de saúdes decorrentes desse tipo de atividade, a Lista TIP indica “queimaduras na pele”, “doenças respiratórias”, “lesões e deformidades osteomusculares” e “comprometimento do desenvolvimento psicomotor”.

Fiscalização
De acordo com o auditor fiscal do MTE, Vanius João Corte, o pai de João Júlio chegou a trabalhar, em um momento anterior, na mesma pedreira em que o menino foi resgatado. No momento do recebimento das verbas rescisórias, ele compareceu com o garoto, que, segundo a fiscalização, não aparentava problemas de saúde. O agente trabalhista diz que, neste ano, foram flagrados outros dois casos de trabalho infantil nos entornos de Caxias do Sul, maior município próximo a Antônio Prado. “É comum o emprego de crianças e adolescentes na região. E a atividade mineral é forte devido ao solo rico em basalto”, comenta.

Problemas nas instalações da pedreiram levaram à interdição do local

Problemas nas instalações da pedreira levaram à interdição do local

Na pedreira, o adolescente e os outros nove resgatados de condições análogas às de escravo desempenhavam as atividades sem registro em carteira de trabalho. O empregador no local também não fornecia ao grupo de trabalhadores escravizados as ferramentas para o serviço nem alojamento adequado, instalações sanitárias ou ambiente para preparar e consumir refeições. Por não apresentarem condições mínimas de segurança, as instalações foram interditadas. Ao fim do processo de fiscalização, todos os trabalhadores retornaram a suas casas, custeados pelo empresa responsável pelo caso, a Mineração Zulian.

A reportagem não conseguiu contato com o jovem, algum parente dele ou seu empregador para comentar o caso.

** nome fictício para preservar a identidade da vítima

* Reportagem produzida em parceria com Promenino/Fundação Telefônica Vivo, e publicada também no site Promenino, que reúne mais informações sobre combate ao trabalho infantil

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Inclusões em ‘lista suja’ reforçam o elo entre escravidão e trabalho infantil

Atualização de cadastro federal com empregadores que utilizaram mão de obra escrava tem pelo menos oito nomes de empregadores que também se beneficiaram da exploração de crianças e adolescentes, em atividades consideradas entre as piores formas de trabalho infantil

Por Guilherme Zocchio, da Repórter Brasil

Serviços forçados, submissão a condições degradantes de vida, jornadas exaustivas, restrições à liberdade de ir e vir e todas as demais situações características da escravidão contemporânea não são formas de violência que têm por alvo exclusivo homens e mulheres adultos. Fiscalizações com o objetivo de investigar o emprego de mão de obra análoga à escrava também encontram com frequência crianças e adolescentes sujeitas a tais violências.

De acordo com levantamento da Repórter Brasil, a atualização ocorrida em 28 de junho do cadastro de empregadores flagrados explorando pessoas em condição análoga à de escravatura, a chamada “lista suja” do trabalho escravo, contém, num total um de 142 novos nomes incluídos, a participação de pelo menos oito deles em casos de exploração laboral infantil. Mantida em conjunto pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR), a relação é considerada uma das mais importantes ferramentas na luta pela erradicação da escravidão contemporânea no Brasil.

Muitas vezes, fiscalizações que investigam o uso de mão de obra escrava encontram também casos de trabalho infantil. Foto: Leonardo Sakamoto

No total, a “lista suja” do trabalho escravo conta com 503 nomes (clique aqui para ver a tabela completa). A relação vem sendo atualizada semestralmente, desde o final de 2003, e reúne empregadores flagrados pelo poder público na exploração de mão de obra em condições análogas à escravidão. O cadastro tem sido um dos principais instrumentos no combate à prática, através da pressão da opinião pública e da repressão econômica. Após a inclusão do infrator, instituições federais, como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o BNDES suspendem a contratação de financiamentos e o acesso a crédito. Bancos privados também estão proibidos de conceder crédito rural aos relacionados na lista por determinação do Conselho Monetário Nacional.

A inclusão de oito empregadores flagrados com o uso da mão de obra de crianças e adolescentes entre os 142 novos nomes reforça o elo entre as formas contemporâneas de escravidão e o trabalho infantil. Segundo relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), publicado em 2011, cerca de 90% do montante de adultos sujeitos à escravatura em território brasileiro até aquele momento haviam começado a trabalhar antes dos 16 anos de idade.

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Algumas das piores formas de trabalho infantil aparecem na atualização da ‘lista suja’. Foto: Marinalva Cardoso Dantas / SRTE/RN

Lista TIP e trabalho escravo
Em alguns dos casos em que a exploração infantil ocorre concomitante às formas de escravidão contemporânea, os serviços desempenhados por jovens, não raro, coincidem, por um lado, com aquelas descritas na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP). Com as bases lançadas em 1999 pela Convenção 182 da OIT, a Lista TIP passou a valer no país em 2008, a partir do decreto número 6.481, assinado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Na relação, constam 89 atividades, com suas descrições e consequências para a saúde de crianças e adolescentes que as desempenham.

A legislação brasileira define o emprego de escravos como crime, previsto no artigo 149 do Código Penal. E, quando a prática incide sobre crianças e adolescentes, a pena aos infratores é mais severa. Para aqueles que utilizarem de mão de obra escrava, espécie de violação dos direitos humanos no interior das relações trabalhistas, a punição prevista é a de prisão por um período de até oito anos, além de multa, conforme a gravidade da violência praticada.

Nas recentes inclusões no cadastro federal de empregadores com trabalho escravo há a ocorrência, por mais de uma vez, de alguma das piores formas de exploração infantil previstas na Lista TIP.

Suja, e nas piores formas
Adelson Souza de Oliveira está na “lista suja” do trabalho escravo devido ao flagrante de quatro trabalhadores em situação análoga à de escravo, ocorrido em 2007, na Fazenda Verena II, no município de Novo Repartimento, no Pará. À época, o empregador era o então prefeito da cidade de Iaçu, na Bahia, pelo PMDB. Um pai e seus três filhos, um deles com menos de 17 anos, eram responsáveis pela limpeza do pasto do rebanho bovino criado na propriedade. Segundo a Lista TIP, a atividade desempenhada pelo adolescente, na ocasião, poderia lhe provocar cortes, perfurações e lhe expunha ao risco de doenças ou outros acidentes, pelo contato próximo a animais.

Foto SRTE/MA

Na fazenda pertencente à Líder Agropecuária, crianças bebiam a mesma água usada por animais. Foto: SRTE/MA

No desempenho de serviços semelhantes, e sujeito aos mesmos riscos, um grupo de sete pessoas, entre as quais crianças, foi resgatado da escravidão, em 2012, em uma área pertencente à empresa Líder Agropecuária – incluída na “lista suja” e que tem como um dos sócios o deputado estadual Camilo Figueiredo (PSD/MA). A água que o contingente libertado utilizava, para banho e consumo, era a mesma da qual os animais da Fazenda Bonfim, na zona rural de Codó, no Maranhão, bebiam.

O parlamentar maranhense, no entanto, não é o único político nessa situação. O deputado federal Urzeni de Rocha Freitas Filho (PSDB/RR) consta na “lista suja”, acrescido também ao fato de ter se beneficiado de trabalho infantil, segundo o Ministério Público Federal em Roraima (MPF/RR).

Entre um grupo de 16 resgatados sob responsabilidade de Sérgio Luiz Xavier, havia um adolescente com 16 anos de idade responsável pela aplicação de agrotóxicos. Conforme a Lista TIP, esse tipo de serviço, em contato com venenos, pode provocar desde problemas respiratórios até, em casos mais graves, doenças cardíacas. Então proprietário da Fazenda Terra Roxa, localizada em Cumaru do Norte, no Pará, o empregador entra para a “lista suja” por conta desse flagrante de trabalho escravo ocorrido durante o ano de 2006.

Outro episódio em que os empregos de trabalhos infantil e escravo aconteceram conjuntamente foi tema de reportagem publicada este ano. Juntamente a um grupo de 34 resgatados, todos imigrantes vindos do Paraguai, sete adolescentes trabalhavam na colheita de mandioca, na Fazenda Dois Meninos, de propriedade de Cleber Geremias, em Naviraí, no Mato Grosso do Sul. Na ocasião, depois de libertados da condição de escravo, a Polícia Federal (PF) notificou os estrangeiros a deixar o país. A ação da PF foi alvo de polêmica e contrariou medidas de acolhimento a migrantes vítimas da escravidão, ratificadas pelo Estado brasileiro.

Reportagem produzida em parceria com Promenino/Fundação Telefônica Vivo, e publicada também no site Promenino, que reúne mais informações sobre combate ao trabalho infantil

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