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Famoso por ser uma das maiores celebrações populares do Brasil, carnaval de Salvador mascara exploração de crianças

Por Ana Maria Amorim e Lucas Ribeiro Prado
Foto de abertura: Adenilson Nunes/AGECOM

O carnaval de Salvador mobiliza anualmente 2 milhões de pessoas, sendo 600 mil turistas, segundo dados da Secretaria de Turismo da Bahia (Setur). A demanda por mão de obra é expressiva e as atividades vão de ocupações gerenciais ao trabalho informal. Cerca de 93 mil pessoas trabalham durante os festejos, conforme levantamento realizado em 2010 pela Secretaria de Cultura. Destes, 17% trabalham com comércio ambulante. Há jornalistas, cordeiros, profissionais de saúde e seguranças; e há crianças e adolescentes sendo explorados também.

O trabalho é irregular para cerca de 60% dos trabalhadores dessa época. Uma parcela considerável da mão de obra do carnaval é jovem, sendo 19,4% entre a faixa etária de 10 a 24 anos. A pesquisa mostra ainda que o perfil majoritário é masculino, de cor negra, acima de 25 anos e não migrante.

A preocupação com o trabalho infantil durante a maior festa popular do país motiva ações de diversas entidades desde pelo menos 1995. Uma dessas ações é o projeto Blitz Social, da Secretaria Municipal do Trabalho, Assistência Social e Direitos do Cidadão (Setad) de Salvador. Em 2011, a Blitz cadastrou 312 crianças e adolescentes que estavam trabalhando nos circuitos de carnaval na cidade.

Já em 2012, o número subiu para 521. Isso, entretanto, não significa necessariamente um aumento da incidência de trabalho infantil durante essa época do ano. Como não há uma clara sistematização e acompanhamento desses dados, eles podem ser interpretados como resultado de uma ampliação dos programas, que estariam alcançando mais crianças e adolescentes.

Combate
“O carnaval é um momento de trabalho”, afirmou a ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH-PR) Maria do Rosário, que participou da cerimônia de lançamento da campanha “Solte a Voz no Carnaval”, em Salvador (BA). Com foco no combate à violência sexual e ao trabalho infantil, a iniciativa é desenvolvida em conjunto com entidades estaduais e municipais da Bahia.

Secretária Mara Moraes de Carvalho ressalta a importância de iniciativas para prevenir o trabalho infantil. Foto: Ascom/Sedes

Uma das intenções da mobilização é unir as ações realizadas por diversas organizações e criar um observatório que acompanhe os dados de trabalho infantil e exploração sexual durante a festa. Para a secretária de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza do Estado da Bahia, Mara Moraes de Carvalho, a iniciativa deve integrar autoridades, sociedade e famílias. “A campanha tem dois eixos: o preventivo e protetivo, integrando ações de conscientização e acolhimento para aqueles que precisam trabalhar no carnaval, como os ambulantes, e as crianças encontradas em estado de violação de direitos”, explica.

No caso da Bahia, a campanha enfrenta um desafio maior. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad), em 2011 o estado registrou, na semana do levantamento, 363 mil pessoas na faixa etária dos 5 aos 17 anos exercendo algum tipo de trabalho (clique aqui para ver infográfico sobre a incidência de trabalho infantil nas diferentes regiões do Brasil). “A Bahia ainda é, da região Nordeste, o estado que tem os piores índices de trabalho infantil e registro de crianças em situação de risco. Muitas vezes a criança deixa de estudar para trabalhar e compor a renda familiar. Essa cultura ainda é muito forte aqui no Nordeste”, diz a promotora do Ministério Público do Estado da Bahia, Eliana Bloisi.

A criança como sujeito da festa
Na avenida, dentre os tantos blocos que fazem o carnaval de Salvador, está o tradicional bloco afro Ilê Aiyê, que atua na valorização da cultura afro na cidade e promove atividades de inclusão social. Participam crianças que saíram da situação de trabalho infantil para desenvolver atividades socioculturais no próprio carnaval. “Já trabalhei de vendedor de cerveja e de várias outras coisas com minha mãe, meu pai e minha irmã. Depois que entrei para o Ilê, eu nunca mais trabalhei no carnaval. O trabalho da criança tinha de acabar, elas tinham de ter uma oportunidade valiosa”, diz um dos integrantes, de 11 anos. “Eu achava o trabalho valioso, porque, se não trabalhar, não come”.

Integrantes do grupo Ilê Aiyê, que promove atividades de inclusão social. Foto: André Santana SeCul/BA

A atuação do Ilê com jovens e adolescentes envolve 120 crianças. “Um dos pré-requisitos é estar estudando, dedicando um turno à escola e outro às atividades do bloco. O turno integral ajuda a ocupar as crianças com outras atividades que não o trabalho degradante”, explica a coordenadora da Banda Mirim do Ilê Aiyê Jaciara Ferreira.

As lembranças de quando trabalhavam no carnaval expõem a desigualdade no acesso à festa. Outra criança, uma menina de 12 anos, associava a brincadeira na avenida como um benefício do trabalho que fazia antes de entrar para o bloco. “Minhas amigas acham muito divertido trabalhar no carnaval, porque, quando acaba a festa, elas podem subir no palco”, diz.

O relato evidencia que o trabalho infantil compõe a questão central da desigualdade econômica do país, que se reflete em todas as esferas, inclusive no reinado de Momo. O acesso ao lazer chega, antemão, como um anúncio do uso de sua mão de obra, e não como um direito fundamental. Ainda assim, ações como a do bloco Ilê, também realizada por outras entidades carnavalescas, tentam socializar o carnaval com essas crianças, que reconhecem a entrada no bloco como um momento crucial.

Erradicação do trabalho infantil
Segundo especialistas em trabalho infantil, a busca pela erradicação deve envolver diversas esferas da sociedade, pois o problema é decorrente das variadas situações de restrição nas quais as crianças são colocadas: falta de acesso à educação, saúde, lazer etc. O pano de fundo do trabalho infantil, portanto, é a sociedade em que a criança se encontra. “É preciso combater a miséria para se combater o trabalho infantil, pois o trabalho infantil está no centro da miséria. Criança não é mercadoria para ser vendida”, detalha a ministra Maria do Rosário.

Lançamento da campanha “Solte a Voz no Carnaval”. Foto: Ascom/Sedes

Um dos objetivos da iniciativa é justamente desmistificar os argumentos que o senso comum usa para justificar o trabalho infantil, que impõe o conceito “trabalho versus marginalidade” para a trajetória da infância. “É preciso quebrar o mito de que criança tem de trabalhar para não ser ladrão e mostrar que o fato de trabalhar na infância não garante a construção do sujeito no positivo social. A criança deve começar a trabalhar na idade adequada”, defende Maria Moraes.

Educadas sob essa visão, as próprias crianças justificariam o trabalho como algo produtivo, em um contexto em que foram cerceadas do direito à educação, moradia digna e/ou lazer, garantias prescritas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Fazer valer esses direitos é um dos horizontes da nova campanha do estado da Bahia, que pretende trabalhar as ações em conjunto com algumas secretarias, órgãos públicos e organizações não governamentais. Outra medida destacada é o Disque 100, que recebe denúncias de trabalho infantil e exploração sexual durante todo o ano – somente em 2012, registrou 16 mil queixas. A intenção da iniciativa é ampliar a divulgação desse método.

A dificuldade encontrada por quem combate o trabalho infantil é sua invisibilidade. No carnaval, por exemplo, é possível contabilizar as crianças que estão nos circuitos – como vendedoras ambulantes e catadoras de material reciclável –, mas a organização da festa envolve diversas etapas não visíveis ao público, como a confecção de abadás e montagens de barracas, atividades não incluídas nos atuais estudos e levantamentos.

Problema não se limita a Salvador. Na foto, crianças seguram o cordão de bloco em Taguatinga, no Distrito Federal. Foto: José Cruz/ABr

“O trabalho infantil está cada vez mais difícil de ser erradicado. Sua redução está cada vez mais lenta, porque está cada vez mais velado. É preciso criar novas formas de enfrentar o problema”, destaca Paula Fonseca, responsável pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil da Organização do Internacional do Trabalho (Peti-OIT).

Para a menina ouvida pela reportagem, o problema não parece tão difícil de ser resolvido: “primeiro os grandes têm de trabalhar para depois a gente trabalhar quando crescer”.


Esta reportagem foi produzida pela Repórter Brasil e faz parte da série de especiais Meia Infância, parte integrante da campanha É da nossa conta! Trabalho infantil e Adolescente

 

10 thoughts on “Atrás do trio elétrico... o trabalho infantil

  1. Pingback

  2. Não é somente na Bahia-Salvador, que ocorre o uso da mão de obra infantil no carnaval, o pior é a prostituição infantil no Brasil!Que se prenda – para valer, aqueles que exploram o fato e as crianças pobres!

  3. Quem deve fiscalizar o trabalho infantil é o Ministério do Trabalho. Que na mão do PT virou um antro de corrupção.

  4. Voces estão coberto de razão e de meritos ao abordar este aspecto da exploração infantil, junto com ela a protistuição infantil, que é mais horrivel ainda.
    Creio ser de dificil irradicação deste trabalho pois ele começa na diversão que esta atividade propicia e a criança esta nela sempre fazendo parte, então trabalhar tabemfaz parte da diversão pois eu já fiz parte dela. Mas quando este trabalho toma caracteristica de obrigatoriedade e por necessidade da criança ai muda a figura do agennte da exploração, ele deve ser duramente reprimido e penalizado.
    Até ai , vai a pergunta. COMO ESTAMOS COM NOSSAS LEIS E JUSTIÇA?

  5. Excelente reportagem! Estou nas ruas de Salvador e continuo vendo muitas crianças trabalhando no carnaval. Ontem eu presenciei meninos e meninas catando resíduos sólidos em plena avenida carnavalescas, descalços, olhar perdido, infância roubada. Meu repúdio à essa cultura de morte.

  6. Pertinente o texto. Indo mais além: a erradicação do trabalho infantil no carnaval passa pela adoção de duas medidas complementares. A instalação de creches no entorno do circuito para abrigar os filhos de mulheres que trabalham no carnaval. Esta medida já foi tentada mas esbarrou na insuficiencia de recursos, na desconfiança das mães em relação à eficácia da ação do Estado e, o pior: o porte físico frágil das crianças é funcional para a locomoção dentro dos blocos para catar latas. Os seguranças (“cordeiros”) dificultam o acesso de adultos mas toleram o acesso de crianças para catar latas no chão. Adicione-se o aspecto “sentimental”: o folião prefere entregar uma latinha vazia a uma criança pois esta está “ajudando a família” a entregar a um adulto que pode estar catando latinha para comprar drogas. Daí viria a segunda medida: assegurar um patamar de renda que convença estas mães a deixar suas crianças sob a guarda do Estado.
    Parabens por pautarem esta questão

  7. É lamentável,ainda existir exploração infantil, em um pais como nosso Brasil.
    lugar de criança é na escola, e com qualidade.

  8. No Rio de Janeiro é a mesma coisa. Durante o Carnaval e eventos de grande porte são inúmeras crianças trabalhando, especialmente na venda informal de bebidas alcoólicas e coleta de latinhas. trabalho infantil, de madrugada, em ambiente potencialmente perigoso e relacionado a bebidas alcoólicas. Mais errado, impossível! Lamentável…

  9. Diante do que apreciamos na reportagem, o que está sendo feito para que diminua esse número de crianças que sao exploradas. Por que nao punir os responsáveis por proporcionar a essas crianças tais condiçoes de trabalho? O problema maior é que os responsaveis parecem ficar impunes. E aí a coisa tende a piorar cada vez mais, enquanto temos que reduzir esse número alarmante…

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