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Debate sobre necessidade de proibição ou regulamentação do trabalho infantil artístico ainda está em aberto 

Por Fernanda Sucupira, da Repórter Brasil

Enquanto algumas formas de trabalho infantil, como aquelas que ocorrem nas carvoarias, nos lixões e nas feiras livres, vêm sendo cada vez mais condenadas e combatidas pela sociedade brasileira, outras se realizam abertamente e debaixo de holofotes, mas nem todos se dão conta disso. Em programas de auditório, telenovelas, peças de teatro, espetáculos de dança, desfiles de moda ou propagandas, há crianças trabalhando de verdade. O debate sobre o trabalho infantil artístico ainda está em aberto. O tema gera controvérsias inclusive entre aqueles que atuam no enfrentamento a esse problema, que divergem entre a defesa da proibição total e a necessidade de regulamentação para proteger crianças e adolescentes.

O glamour artístico e a valorização social da fama muitas vezes impedem que sejam percebidos os prejuízos que tais atividades podem causar no desenvolvimento de crianças e adolescentes. E frequentemente resultam na condescendência das famílias, da sociedade e da justiça no Brasil. “Essas crianças passam o dia todo repetindo e esperando. Chegam a ficar de oito a dez horas para gravar uma propaganda de 15 segundos, repetindo muitas vezes cada tomada. Isso gera estresse, ansiedade e pressão sobre aquelas crianças que esquecem o texto ou cometem outros erros”, afirma Sandra Regina Cavalcante, advogada e pesquisadora da Faculdade de Saúde Pública da USP, que estuda o tema desde 2007.

“Essas crianças passam o dia todo repetindo e esperando. Chegam a ficar de oito a dez horas para gravar uma propaganda de 15 segundos”, alerta a pesquisadora Sandra Regina Cavalcante Foto: Aldo Dias/TST

Em grande parte dos casos, o trabalho infantil artístico prejudica bastante o desenvolvimento escolar. Longas jornadas de trabalho, viagens constantes e a necessidade de memorizar muitos textos são alguns dos elementos que não permitem que haja tempo suficiente para estudar. Segundo Cavalcante, deslumbradas por ter estudantes famosos, muitas escolas são excessivamente compreensivas: fazem vista grossa para as faltas e deixam que se substituam as provas por trabalhos feitos em casa. Esse tratamento diferenciado, com uma série de privilégios, em alguns casos, pode levar inclusive a que sofram bullying de outros colegas.

Muitas dessas crianças levam uma vida agitada, com muito trabalho e tempo livre escasso, o que as afasta do convívio com familiares e amigos. “Elas ficam fatigadas, se acidentam, desenvolvem doenças relacionadas ao trabalho. Essa atividade pode acabar comprometendo o direito à saúde, à educação, ao lazer e ao esporte”, afirma o procurador Rafael Dias Marques, da Coordenação Nacional de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes do Ministério Público do Trabalho (MPT).

Não são raras também as situações de constrangimento, humilhação e rebaixamento da autoestima da criança. Num episódio ocorrido em maio deste ano, por exemplo, no Programa Silvio Santos, a pequena Maísa, de apenas 10 anos, humilhada pelo apresentador saiu chorando do palco, bateu a cabeça em uma câmera e foi chamada de “medrosa” pelo público. A mãe, no entanto, a empurrou de volta, para que cumprisse seu contrato. “Isso é uma forma de violência. Uma ocorrência dessas não pode ser tolerada pela justiça”, afirma Isa Maria de Oliveira, secretária-executiva do Fórum Nacional para a Prevenção e Eliminação do Trabalho Infantil (FNPeti). Hoje, Maísa é uma das estrelas mirins da regravação da novela Carrossel.

As crianças também participam de gravações com elencos adultos, em cenas que não são apropriadas para elas, que incluem situações de agressividade e violência. A convivência com o processo dramático, isto é, a vivência das crianças de suas personagens pode levar a sérios danos para o desenvolvimento, já que muitas vezes elas ainda não diferenciam o que é fantasia do que é realidade.

Proibição X regulamentação
Dentro do próprio FNPeti – que reúne representantes do governo federal, de outras instâncias do poder público, dos trabalhadores, dos empregadores, de entidades da sociedade civil e de organizações internacionais – existe um debate em aberto sobre o trabalho infantil artístico.

De um lado, estão aqueles que defendem a total proibição de todas as formas de trabalho infantil, apoiando-se na Constituição Brasileira, que define que é proibido qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos, e qualquer tipo de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos. De outro, quem defende a regulamentação desse tipo de trabalho, por considerar que a Convenção 138 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil em 2001, admite o trabalho artístico como uma das exceções.

No entanto, de acordo com Renato Mendes, coordenador do Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil no Brasil da OIT, para que essa exceção fosse válida, no momento de ratificar a convenção, o país teria que determinar explicitamente seus casos excepcionais, o que não ocorreu em relação à atividade artística. Ele também ressalta que o que estaria permitido seria a participação em apresentações artísticas, o que é diferente de trabalho infantil artístico.

Mendes considera que mais importante que a questão legal é o aspecto ético que fundamenta a convenção: a ampliação progressiva da proteção de crianças e adolescentes. “Está se pensando no elemento comercial ou na criança? A participação da criança é essencial para o desenvolvimento dela?”, questiona o representante da OIT.

Autorizações judiciais
Entre aqueles que entendem que a atividade deve ser regulamentada, porém, muitos defendem a ideia de excepcionalidade das autorizações judiciais. Isso quer dizer que deve haver uma análise caso a caso antes de elas serem concedidas, averiguando-se as condições de trabalho, para serem pensadas as medidas de proteção que devem ser tomadas.

Festival de Ballet Infantil realizado no ano passado em Criciúma. Foto: Divulgação/Prefeitura Municipal de Criciúma

“O juiz deve avaliar se é imprescindível a participação de uma criança ou de um adolescente para a execução de determinada obra artística, e se ela vai possibilitar o desenvolvimento do talento artístico. Há muito pouca norma sobre o assunto, o que dá margem a autorizações judiciais simplistas, sem parâmetros de proteção, que levam à violação de direitos”, explica Marques.

O MPT desenvolveu uma lista de nove parâmetros de proteção para essas permissões excepcionais, entre eles a exigência de um laudo psicológico; uma jornada compatível com o horário escolar; matrícula, frequência e bom aproveitamento escolar; assistência médica, odontológica e psicológica; e o depósito de um percentual da remuneração da criança em uma poupança para que possa retirar quando completar 18 anos.

No entanto, a maior parte das autorizações judiciais no Brasil atualmente é absolutamente vaga. “O que predomina não é uma excepcionalidade, já que crianças e adolescentes saem de uma telenovela e vão para outra e há crianças trabalhando em programas de auditório ano após ano. Há um equívoco inaceitável de quem dá as autorizações e não leva em consideração os prejuízos e comprometimentos dessa atividade para a criança”, critica a secretária executiva do FNPeti.

Publicidade
Há um consenso entre aqueles que atuam no enfrentamento ao trabalho infantil de que deve ser proibida qualquer participação de crianças e adolescentes em peças publicitárias, por se considerar inaceitável que pessoas nessa faixa etária sejam utilizadas para vender produtos, em uma situação totalmente voltada aos interesses do mercado, sem caráter artístico. Avalia-se também que em nenhum caso é imprescindível a participação infantil na publicidade, já que essas mensagens podem ser transmitidas de outras formas. “Por que para vender produtos telefônicos, bancários, precisa colocar uma criança? Qual é a justificativa ética, de direitos humanos para isso?”, questiona o representante da OIT.

O FNPeti defende que deve ser assegurado a crianças e adolescentes o direito de desenvolverem seus talentos artísticos, mas em um ambiente educacional, como parte do processo educativo. “Deve-se desenvolver o talento aprendendo, para depois entrar no mercado de trabalho na idade certa. A participação artística deve ter caráter lúdico, de formação”, afirma a secretária executiva.


Esta reportagem foi produzida pela Repórter Brasil e faz parte da série de especiais Meia Infância, parte integrante da campanha É da nossa conta! Trabalho infantil e Adolescente

 

4 thoughts on “Os limites do trabalho artístico infantil

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  4. regulamentaçao do trabalho infantil no meio artistico?? sério? é so seguir o estatuto da criança e do adolescente… já é regulamentado, ou vc n sabe???? qualquer coisa q vá contra o q ta escrito lá, É CRIME! PONTO!